Depoimento: Igor Melman Bahiense, 26 anos, Jornalista, Rio de Janeiro, RJ

“Lá pelos idos de 1996, eu, que enxergava perfeitamente bem, comecei a apresentar algumas dificuldades para desempenhar determinadas tarefas. Como eu era só uma criança, com meus oito anos de idade, não dava muitas mostras claras de que minha visão não andava lá tão boa. Eu era estudioso, gostava de ler e era um bom aluno. Aos poucos, entretanto, meus pais começaram a perceber que eu estava, sim, com certas dificuldades para jogar meus videogames e cada vez estava mais próximo da televisão, o que antes nunca havia sido notado. Bom, como todos bons pais, os meus correram logo comigo para um oculista. Ele, claro, prescreveu uns óculos de grau, daqueles, simples mesmo. O grau, no entanto, não estava dando conta da minha então desconhecida doença.

E foi ali, após meus constantes retornos ao seu consultório, sem saber muito o que fazer, que aquele oculista nos encaminhou a outro especialista. Bom, foram diversos os profissionais que colocaram as mãos, as luzes e as máquinas nos olhos daquela criança. Entre juras e desesperanças, meus pais, preocupados que só eles, chegaram a ouvir o impropério de que eu apresentava um tumor no cérebro. Pois é, isto mesmo, um renomado oftalmologista do Rio de Janeiro disparou esse tiro contra meus pais, que, claro, entraram em choque. O mundo caiu sobre as costas deles. E eu? Eu de nada sabia, excetuando-se o fato de que meu jogo de botão perdia um pouco da nitidez, sem contar que aquelas fases dos joguinhos de super Nintendo estavam mais obscuras para mim. Foi então, após um ano de intensas pesquisas, consultas, exames e investigações, que meus pais ouviram falar de alguém, lá em São Paulo, que talvez pudesse nos ajudar. Nós, do Rio de Janeiro, pegamos o primeiro vôo rumo à cidade da garoa. Putz, e eu ficaria uma semana sem brincar com meus amiguinhos? É, foi isso, uma semana entre: deita, é hora da anestesia; senta, agora vamos tirar seu sangue; olha lá ao fundo, você vê uma luz vermelha que pisca? E eu no meio daquilo tudo, sem entender muito bem que tal dificuldade, chamemos assim, iria transformar todo o meu entendimento sobre a vida. Hoje, quase 20 anos depois, já um adulto, formado em uma universidade, trabalhando em uma multinacional, cheio de planos pela frente, lembro com carinho daqueles dias. É verdade, nem sei bem quem eu seria se não fosse pelo Stargardt… E eles, lá na fria capital paulistana, concluíam meu diagnóstico: “O Igor apresenta uma degeneração retiniana chamada Stargardt”, assim nos informou o descobridor do mais importante definidor da minha personalidade, o Dr. Tadeu Cvintal. Começava, ali, uma busca incessante por informações que trouxessem qualquer luz à escuridão que rondava a cabeça dos meus familiares. Olha, a estrada foi longa, e entre pancadas e incertezas, hoje eu posso dizer, de cadeira, que somos capazes de enfrentar sem qualquer temor ou desconfiança em nós mesmos. Eu juntava-me a alguns, poucos mesmo, que eram, lá naquela época, detentores desse troféu, o Stargardt. Sim, troféu, pois sem ele, reitero, não saberia dizer quem eu seria nos dias de hoje. Ele foi, é e será até o fim da minha vida um grande mestre. E mesmo que dele eu me cure (e nós todos iremos nos curar em breve!!!!), para sempre levarei as lições que ele me traz dia após dia. Após obtermos o diagnóstico e já sem muito o que fazer, voltamos, portanto, ao Rio de Janeiro, onde moro até hoje, e aqui toquei minha vida. Ouvi, entre outras baboseiras, que não seria capaz de concluir sequer o primeiro grau. Pobres pagãos, sou, ou melhor, somos capazes de tudo, se tivermos a consciência de que temos uma limitação visual, e nada além disso. Hoje, em 2014, como mencionei anteriormente, aos 26 anos, trabalho na comunicação de uma multinacional, saio, viajo, pratico esportes e, literalmente, vou à luta. Enxergo pouco, é bem verdade, mas nada disso foi, e nunca será, capaz de me frear. Desde que me conheço por gente (após o Stargardt), sempre tive inúmeras, diversas dificuldades visuais. Não leio com tanta facilidade, tenho uma considerável dificuldade para reconhecer as pessoas. Nunca dirigi um carro, jamais li, com meus próprios olhos, um livro, nunca soube o preço de alguma coisa. Mas quem me vê jamais vai dizer isso. Não deixo que minhas limitações me travem no tempo. Se pensarmos que fomos escolhidos para sofrer, estaremos sempre fadados ao descontentamento. Sabe o por quê de termos Stargardt? Digo, porque somos fortes o bastante para agüentarmos diariamente essa lição. Estou certo de que um dia eu voltarei a ler um quadro negro, voltarei a enxergar pessoas de longe e voltarei a ver como nossos parentes e amigos. Mas também estou certo de que o Stargardt é uma grande escola da vida para mim. Falo com sinceridade, o Stargardt é uma lição diária para nós. Um dia olharemos para trás e veremos tudo o que aprendemos em todos esses anos com as dificuldades de não enxergar assim tão perfeitamente. Conheço médicos, administradores de empresas, arquitetos, jornalistas e advogados que possuem esta nossa dificuldade. Cada um lida de uma maneira singular, e cada pessoa manifesta o Stargardt de uma maneira diferente. Uns enxergam melhor, outros nem tanto. O certo é que todos, com força de vontade e serenidade, conquistam seus lugares ao sol. Olha, eu digo, a gente tira isso de letra! “

 

7 thoughts on “Depoimento: Igor Melman Bahiense, 26 anos, Jornalista, Rio de Janeiro, RJ

  1. Olá Igor! Muito obrigada por compartilhar com os colegas de Stargardt seu depoimento! É muito importante contar um pouquinho de nossa história para confortar e dar força a nossos irmãos de baixa visão. Um grande abraço!

  2. Parabens IGOR e isto ai nao podemos parar temos que lutar e enfrentar nossas dificuldades nao somos menos que ninguem , pelo conttrario somos mais do que muitas pessoas (perfeitas) e igual vc citou DEUS da o STARGARDT para quem tem a capacidade de conviver com ele e eu sou mais um Abracos e tudo de bom….

  3. IGOR FOI IMPORTANTE PARA MIM LER SEU DEPOIMENTO.TENHO UM FILHO COM STARGARDT a 15 ANOS, HOJE ELE TEM 23 ANOS.QDO DESCOBRIMOS FOI COMO SE O MUNDO TIVESSE ACABADO, SEM SABER COMO SERIA SEU FUTURO.NOSSA HISTÓRIA NÃO FOI DIFERENTE DA SUA, BUSCA POR MÉDICOS, EXAMES, ATÉ QUE VEIO O DIGNÓSTICO.PORÉM APESAR DA DIFICULDADE MEU FILHO ESTUDOU, SE FORMOU EM ENGENHARIA ELÉTRICA E HOJE LUTA PELO SEU ESPAÇO.FAZ PÓS GRADUAÇÃO E COMEÇOU A TRABALHAR POR CONTA.SINTO UMA TRISTEZA MUITO GRANDE POR NÃO PODER DIRIGIR E SEMPRE DEPENDER DE ALGUÉM.FAZEMOS TUDO PARA AJUDÁ-LO POIS É UM FILHO MARAVILHOSO.TALVEZ ESTE PROBLEMA O TORNOU AINDA MELHOR,COMPANHEIRO,AMIGO,DEDICADO,RELIGIOSO PRINCIPALMENTE.MEU FILHO É UMA BENÇÂO EM NOSSAS VIDAS.REZO TODOS OS DIAS PARA QUE DEUS DÊ A CURA A SEUS OLHOS,TENHO FÉ QUE UM DIA ELE ENXERGARÁ PERFEITAMENTE.OBRIGADO PELA SUA FORÇA, APESAR DE SABERMOS DAS DIFICULDADES QUE VCS PASSAM SAIBAM QUE NÓS PAIS SOFREMOS DEMAIS POR VÊ-LOS PASSAR POR ELAS, E SE FOSSE POSSÍVEL ATÉ DOARÍAMOS NOSSOS OLHOS A VCS.UM GRANDE ABRAÇO.DEUS ABENÇOE TODOS VCS.

    1. Olá Rose! Transmita nossos parabéns a seu filho! Nós Stargardtianos temos que nos esforçar para provar para a sociedade que somos capazes! Um grande abraço!

  4. Lindo depoimento Igor q me ajudo muito a diminuir a preocupacao q sinto em relacao ao futuro da minha filha de 12 anos q tem stargardt. Ela tb e uma boa aluna e muito independente, apesar fas dificuldades q hoje enfrenta. Um grande abraco

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