Meu filho foi diagnosticado com Stargardt, e agora?

 

Por: Roberto Martins de Camargo

camarpho@gmail.com

 

Normalmente a criança acometida por uma doença visual não reclama nos primeiros meses da baixa visual, podendo ficar sem reação por muito tempo, sendo assim muito importante os pais ficarem atentos aos sinais que esta criança fornecerá de maneira involuntária.

Sintomas como esbarrar em móveis, batentes de porta, derrubar copos ao tentar pegá-los, usar tabletes e telefones próximos aos olhos, ler ou assistir TV em curtas distancias, andar quase sempre de mãos dadas com alguém, tropeçar ao andar, etc

Na idade escolar o sinal mais perceptível que alguma coisa está errada poderá ser observada na conferência dos cadernos, letras trocadas, escrita fora da linha, carregamento excessivo nas cores de pinturas, textos incompletos copiados da lousa, dificuldades nos jogos e brincadeiras de rua e na educação física na escola.

É importante a mãe ser observadora e acompanhar a vida do filho, isso faz diferença.

Além de um acompanhamento nas reuniões escolares, pois o educador, em muitos casos será o primeiro a observar a dificuldade visual da criança.

Verificado a dificuldade visual da criança, devemos imediatamente procurar um oftalmologista. Pois em alguns casos de doenças visuais o diagnóstico precoce poderá ajudar no tratamento, caso ele exista. Normalmente a mãe quando leva a criança, já vai preparando a criança para usar um óculos:
-Você viu o óculos da Ritinha, é rosa

-O Claudio usa óculos do Cebolinha

-Você vai ficar linda igual a artista fulana de tal

A mãe prepara a criança para usar óculos, mas não se prepara para o diagnóstico ou para a falta dele.

Entram na sala do oftalmologista, explica a dificuldade do filho, pinga colírio, e manda ler os “Es” da tabela a frente, neste momento queremos ler pelo filho o que ele não consegue. Ele mede a pressão do olho, pinga anestésico e olha no fundo do olho com uma lente superforte, olha de novo, coça o queixo, passa em outro aparelho muda a expressão do rosto, volta na mesa e diz:

-Teremos de fazer outros exames

Na maioria dos casos este momento é que “perdemos o chão”, queremos fazer perguntas e muitas vezes não sabemos como perguntar ou não temos o controle emocional para isto, e muitas vezes o oftalmologista não terá a resposta imediata.

O caminho de volta do consultório para casa será interminável, provavelmente não verá semáforos ou carros a sua frente. Hora de dividir informações com o companheiro, explicar algo que nem mesmo você entendeu, ai começa um longo caminho de se ter um filho com baixa visão. Devemos deixar a criança informada e participativa de todas as conversas ou devemos poupá-las?

Hora dos pais discutirem o assunto, pesquisas na internet a procura de informações, procurar grupos e pessoas que tenham as mesmas dificuldades, pois neste momento e nos próximos dias começam as dúvidas, será que vai conseguir estudar?, Será que vai conseguir namorar?, será que vai conseguir trabalhar?, etc

Neste ponto as redes sociais, listas de discussão, aplicativos de bate-papo serão úteis para que além de conhecer outras pessoas com as mesmas dificuldades possam aprender como viver com a baixa visão.

O oftalmologista certamente irá solicitar alguns exames mais específicos para tentar fechar um diagnóstico da doença.

Hora dos exames. Os primeiros exames podem não ser conclusivos devido ao grau de complexidade de algumas doenças oculares, sendo normal quando se faz os exame sem grandes centros a presença de residentes que serão chamados para ver os exames e conversarem sobre as possíveis causas da doença, normalmente na frente dos pais que ficam ouvindo diversos nomes possíveis, mas nem sempre chegam a uma conclusão por ser uma criança e ainda não se ter lesões ou cicatrizes aparentes.

De volta ao consultório o oftalmologista olha os exames, lê o laudo que na maioria dos casos é inconclusivo pede para a criança sentar-se novamente na cadeira de exames, verifica o fundo de olho e após um momento indica outro médico a ser consultado, que é muito amigo dele, normalmente um retinólogo.

Ou suspeita que a criança está mentindo ou é psicológico ou mesmo neurológico, encaminhando para mais  exames e médicos, e se despede como se fosse a última vez que o veremos.

Este é um momento crítico do processo, pois os nervos estão a flor da pele e começam as perguntas:

-Será que este médico sabe o que está fazendo?

-Ele encaminhou para fulano somente porque é amigo dele?

-Acho que estamos perdendo tempo.

Normalmente motivados por amigos ou fruto de pesquisas procuramos outros profissionais visando muitas vezes nem mesmo o diagnóstico, mas a cura.

Neste desvio da rota podemos encontrar “profissionais” de todo tipo:

Médicos fazendo cirurgias de pesquisas como se fosse tratamentos, terapias com exercícios para melhorar a visão, curas milagrosas, centros de tratamentos fora do país que muitas vezes estão no mesmo nível do Brasil ou inferiores, remédios milagrosos e outros tipos de charlatanismo que visam tão somente o enriquecimento.

Chegamos ao retinólogo, de posse dos exames feitos anteriormente e dos que ele mesmo solicitou, e nos dá o diagnóstico:

Seu filho tem uma doença genética chamada Stargardt. Ela não tem cura e nem tratamento para impedir que ela progrida.

– Genético? E eu não tenho problema visual, não uso óculos, na minha família ninguém tem, Doutor explica melhor.

Em muitos casos os pais neste momento podem iniciar discussões sobre a culpabilidade do outro pelo filho ter uma doença genética, não ajudando em nada melhorar a compreensão da situação.

Os pais, mesmo que não compreendam exatamente a doença não devem deixar que a tensão exagerada que certamente existirá faça que venham a esquecer de se colocar ao lado do filho. Pois aconteça o que acontecer é importante que ele saiba que estão do lado dele, independentemente de enxergar bem ou não.

Um ponto forte e positivo relatado por alguns pacientes e pais é o conhecimento de pessoas que passaram pela mesma situação ou semelhante e apesar da baixa visão tiveram uma vida normal em todos os aspectos, sendo este ponto ainda mais fortalecido quando esta pessoa for da família e bem próxima.

Hora de parar, refletir e correr de novo, possivelmente seu filho perdeu vários dias de aula para passar pelas etapas citadas acima, e agora como será com a baixa visão?

Solicite da escola inclusive de maneira formal, através de atestado e laudo médico as adaptações para que seu filho continue a estudar, mas não deposite nela a responsabilidade pelo seu filho, converse com os professores, equipe pedagógica, diretor para que juntos encontrem uma solução, o profissional ideal para ajudar neste momento é o que cuida de visão subnormal, mas não se acomode somente com as informações que ele passar, pesquise muito sobre acessórios de ampliação, scanner, aplicativos para smartfones, gravadores de áudio, e outros equipamentos que em conjunto com a escola seu filho irá usar.

Algumas ações devem ser feitas de imediato: Aproximar o aluno da lousa, provas ampliadas, escolher lápis e canetas mais apropriados, provas com contraste, solicitar que o professor leia o texto ao escrever na lousa, usar cadernos com pauta ampliada, fazer adaptações na carteira escolar e na mesa de estudos em casa etc

Adaptações, postura e sedentarismo

Muitas adaptações que alguns pais resolvem fazer acabam prejudicando a postura levando o filho ao sedentarismo. Adaptações em tvs e monitores em que se pode assistir ou operar o computador deitado com o passar do tempo podem causar grandes prejuízos a postura e coluna além de um sedentarismo somado aos sucos e salgadinhos levando a obesidade.

Analise profundamente cada passo a ser dado, temos que balancear bem o emocional e o racional, pois muitas vezes em vez de ajudar estaremos prejudicando.

Não seja superprotetor com seu filho, dê liberdade para que ele aprenda a se virar enquanto está com você, deixe andar de transporte coletivo sozinho, fazer passeios com amigos, viajar, ensine-o a cozinhar, lavar, cuidar de uma casa, ir ao banco, padaria, farmácia. Lembre-se: NÓS NÃO SEREMOS ETERNOS. Quanto mais mobilidade ele tiver melhor será para que ele tenha uma vida mais independente.

Tenha sempre em mente que ele não é incapaz, ele fará as mesmas coisas de quem tem a visão normal, somente fará diferente.

“Mãe, não ande a frente do seu filho para puxa-lo, nem ande atrás dele para empurrá-lo, mas ele precisa com certeza que você ande ao lado dele para que de mãos dadas possa acompanha-lo.”  (Ailton Cataldi afetado por Stargardt)

“Não se preocupa tanto não, o que o seu filho vai fazer do futuro depende de quanto ele estiver determinado a fazer, o importante é nunca estabelecer limites, a deficiência de modo nenhum será obstáculo para o sucesso, direcione seu filho sempre tendo consciência da realidade. A chave é amor, determinação e garra. Não crie seu filho de forma diferente do que faria se tivesse a visão normal.  Eduque o para que seja independente. Incentive o sempre principalmente nos dias não tão bons., reforce suas habilidades não deixe pensar que é inferior aos outros. ..Não há superproteção.” (Ida Araújo, mãe de uma moça diagnosticada com baixa visão e Stargardt aos 9 anos).